quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Você no Mundo do Trabalho - Depoimentos 5


"O homem certamente é o único que tem capacidade de “criar” com seu trabalho. Com sua criação ele modifica o mundo e, ao modificar o mundo, ele é evocado a modificar novamente seu trabalho, ou seja, “criar”."
Paulo Porto


Depoimento de Médico Fisiatra da Reabilitação Profissional, Paulo Porto


Médico Fisiatra, recém saído da residência médica, iniciei minha carreira em 1985, simultaneamente no Hospital Geral do Exército, como oficial-médico temporário, na clínica privada e na Previdência Social, no então CRP, Centro de Reabilitação Profissional. Trilhei ainda pelo Hospital Ana Nery, por 7 anos atendendo pacientes crônicos, e desde 2005 no Centro de Reabilitação dos Hospital Regional Dr. João Penido, onde me dedico mais à reabilitação de pacientes amputados de membros.

Faço este preâmbulo para denotar a diversidade de pacientes que tive ou tenho sob meus cuidados, ao longo desses 25 anos de profissão. Mas foi, sem dúvida, a Previdência Social o marco mais longo e forte nesta carreira e foi ela, a Previdência, que me pôs num contato bastante intrínseco com o mundo do trabalho, inicialmente na Reabilitação Profissional e depois na Perícia Médica.

Esta proximidade me obrigou a buscar sempre uma maior compreensão deste mundo, levando-me a complementar minha formação com pós-graduação em Medicina do Trabalho e em Ergonomia. Não tenho dúvida, entretanto, que a grande escola foi o próprio trabalho, cada paciente por mim atendido ao longo de todos esses anos, em locais e situações diversas.

Na Previdência, então, acho que fiz a verdadeira “dança das cadeiras”: Fui médico da equipe de reabilitação, coordenador técnico, supervisor de equipe, médico do Setor de Pesquisa e Mercado de Trabalho, onde a atividade de análise de funções muito me ensinou, médico perito de ponta e da retaguarda, onde hoje estou.

Sempre tive certa dificuldade para aceitar o termo “reabilitação profissional”, assim como “reabilitação física”, “reabilitação mental”, ou qualquer outro termo que segmente o processo da reabilitação. A reabilitação é uma só e tem que ser global, ou não é reabilitação. É impossível dissociar o trabalho, bem como as outras necessidades físicas, psicológicas e emocionais, na vida do indivíduo. O conjunto desses domínios é indicador da qualidade de vida, e reabilitar é somente resgatar “qualidade de vida”.

Há de se ter em conta, entretanto, que o trabalho tem papel preponderante neste conjunto, seja por auferir “independência”, como por ser elo de “relacionamento social”, entre outros. Apesar disso, o “trabalho” traz o estigma do castigo, desde as antigas civilizações e também por sua etimologia. (Do Latim, Tripalium era um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro, no qual os agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, para rasgá-los, esfiapá-los. A maioria dos dicionários, contudo, registra tripalium apenas como instrumento de tortura, o que teria sido originalmente, ou se tornado depois. – Fonte: Wikipédia)

Lembro-me que, quando ainda na RP, desenvolvemos convênio com a Caixa Econômica Federal para reabilitação de seus funcionários, e em palestras utilizava-me da fábula de La Fontaine para exemplificar que tanto a formiga (operária) como a cigarra (cantora) estariam trabalhando. A diferença provavelmente estaria no prazer que se atribuía a uma e outra atividade.

Afirmava também, não sei se estou errado, que todos os animais trabalham para sua sobrevivência e de seus descendentes, seja buscando o alimento, as condições de moradia, seus ninhos, suas tocas, seu habitat enfim. O que, a meu ver, distingue o leopardo (caçador), o joão de barro (construtor) ou a formiga (operária) do homem (em qualquer atividade) é que os primeiros provavelmente executam seu trabalho do mesmo modo que seus ascendentes o faziam há milênios. O homem certamente é o único que tem capacidade de “criar” com seu trabalho. Com sua criação ele modifica o mundo e, ao modificar o mundo, ele é evocado a modificar novamente seu trabalho, ou seja, “criar”.

Quando detalhei minha trajetória na Previdência, acima, não tive intuito de esnobar farta experiência profissional, pelo contrário. Pretendia chegar aqui, a este ponto: Fui privilegiado por ter me sido permitido policiar-me para não cair no automatismo laboral, buscar novas fronteiras, o novo, e “criar”, sempre “criar”. Não que seja absoluto, ter que mudar de setor ou atividade, mas ajuda muito. Do contrário há que se ser mais criativo ainda, e promover “mudanças”, mesmo na rotina a que somos levados pelo trabalho.

O mundo moderno, incrementado pelas teorias capitalistas, impôs difíceis barreiras ao desenvolvimento da criatividade no trabalho. Difíceis mas não intransponíveis. Não sei se exageradamente otimista, creio que ainda é possível repensar o trabalho de modo que ele realmente contribua para a qualidade de vida do indivíduo, e não “contra” ela.

Esta, sim, seria para mim a “reabilitação profissional”. Não a do indivíduo para o trabalho, mas do trabalho para o indivíduo, seja ele portador de necessidades especiais ou não.

Sonhar não custa nada... ou custa, mas vale!

Sonho Impossível
Maria Bethânia
Composição: J.Darion / M.Leigh / Ruy Guerra


Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite provável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar este mundo, cravar este chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu
Delirar e morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão

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